segunda-feira, 23 de agosto de 2010

O incrível relato do Ultra Trail Du Mont Blanc

Esta chegando a hora....

Para se ter uma idéia do que esta me esperando, segue abaixo relato de Gus Albuquerque: 

Genebra. O céu estava aberto e a temperatura alta. Um dia perfeito para ficar de bermuda tomando um sol e apreciando a paisagem. Comprei a passagem de trem com destino a Chamonix e duas horas adiante me encontrava grudado na janela do vagão, hipnotizado pelas montanhas que nasciam do centro da terra com tamanha força e vontade.

Não há nada inconfundível com a beleza dos Alpes e as pequenas cidades que tenham se formado ao longo dela há centenas de anos. Impressionante como em menos de 24 horas podemos estar em lugar tão diferente, distinto e longe. Ao chegar na cidade de Saint Gervais, troquei para um trem pequeno que iria começar o trajeto pelo qual definia o propósito da minha viagem. Subir os Alpes! A energia do lugar é realmente algo envolvente.

Chamonix. Desembarquei do trem junto com outras pessoas coletadas durante o percurso que, inconfundivelmente, estavam lá pelo mesmo motivo do que eu. Pessoas cujo o rosto, pele e corpo havia claramente sido moldadas e lapidadas pelo clima, tempo e exposição à dureza física.

A pequena e incrivelmente charmosa cidade de Chamonix fica num vale vigiada pela montanha mais alta da Europa, com 4.800 m de altura. Cadeias rochosas de tirar o fôlego e geleiras eternamente presentes durante o ano todo fazem com que Chamonix seja um local sempre com turistas fascinados pela beleza ou pela variedade de esportes radicais que podem ser praticados.

The North Face Ultra Tour Du Mont Blanc é o evento mais popular da região depois do natal. Pessoas de todas as cidades vizinhas vem para assistir algo que simboliza mais do que uma corrida ou evento. Simboliza a vontade de viver de qualquer pessoa que chega até a linha da largada, dispostas a encarar um dos testes mais ousados de sua determinação, perseverança, coragem e condicionamento físico. Uma magia está evidente no ar e nos olhos de todos presentes.


Existem três modalidades da prova:

CCC, 98km, 6ª 05:00, Courmayeur à Chamonix com 5.600 de desnível.
UTMB, 166km, 6ª 18:30, Chamonix à Chamonix com 9.400m de desnível.
TDS, 106km, Sábado 05:00, Chamonix à Courmayeur com 6.700m de desnível – minha prova.

O ano todo para mim tem sido marcado por machucados, dores e tendinites. Uma semana antes da prova ganhei um presente. Uma tendinite no “Trato Iliotibial” do joelho direito, cujo mesmo problema havia curado um mês e pouco atrás no joelho esquerdo. No dia anterior a minha largada, saí para um trote de 20-30min.

“Houston, we have a problem!” A tendinite continuava e deixou o tendão ao lado do joelho bastante dolorido.

Ao assistir a largada do UTMB, reparei que não era o único com problemas. Só não vi pessoa mumificada por inteiro, porem com os joelhos e pernas enfaixadas tinha um monte.

Estava com dor no joelho?? Estava no lugar certo, na hora certa e com as pessoas certas! Estava em casa!

Na manha seguinte, o alarme não tocou àa 3h45 (coisa que só acontece nessas horas) e acordamos às 4h15. Às pressas, fiz uma marcha atlética até a largada, achando que pouparia mais tendão,... como se fosse fazer alguma diferença a essa altura do campeonato. O momento chegou e era a hora de enfrentar a montanha.

Contagem regressiva e em poucos momentos já estávamos a caminho para dentro do mato. Com o atraso para chegar na largada, comecei a prova sozinho, mas, logo encontrei os amigos pelo caminho e meu parceiro de prova, Mateus, que ficaria comigo até o final da prova.

Percorremos na escuridão por 22 km com uma subida de 7% até chegar ao pé da subida com maior desnível da prova. Mont Joly seriam 6,5 km com desnível de 1.348 m e inclinação média de 12%. A subida simplesmente “não acabava”! Entramos na nuvem, praticamente escalando a montanha com a adrenalina de que um escorrego levaria a um fim certeiro. Após 2 horas subindo, atravessamos brevemente as nuvens e finalmente chegamos ao cume à 2.525 m de altitude.

Numa prova dessas, onde se enfrenta extremos climáticos e de uso e abuso do material, o equipamento torna-se algo determinante para o bom resultado e até mesmo para terminar a prova. O equipamento e roupa da North Face que estava usando, alem de ser muito leve e prática, aquece, respira, protege do vento, da chuva e refresca no calor. É um produto “No Bullshit”, que não deixa na mão e ainda supera as expectativas nas mais extremas das condições.

O conforto faz com que poupe a concentração para focar na prova, e não em detalhes chatos como frio, ou tecido e costura que machuca. Um pequeno desconforto tem o potencial de se tornar algo que consome toda concentração em provas longas, enfraquecendo a mente até o ponto que ela começa a questionar sua própria força para chegar ao fim.

Após Mont Joly, ficou evidente que a prova não teria nenhuma parte plana. Aquelas cenas do filme “Senhor dos Anéis”, onde os personagens estão correndo à beira de abismos, éramos nós, apenas trocando as espadas pelos “trecking poles”... até que parecido à distância! Atravessamos 4 montanhas que não acreditaria que fosse parte do percurso se não fosse apertar os olhos e ver que tinha um ponto preto no topo de um pico a quilômetros de distância despertando uma risada no interior. Não é possível!

O cume dos picos, em especial do Passeur de Pralognan, foi algo impressionante. Escalando por uma trilha com a espessura do pé, onde olhar para baixo dava tontura e uma pisada em falso levaria a quase uma queda livre, são de transformar qualquer pessoa pela magnitude do que estava se conquistando e pela beleza natural e bruta do lugar.

Foram 59 km às alturas até chegarmos a uma das partes mais marcantes da prova. A descida até Bourg Saint Maurice tem desnível de 1500 m, descendo em zig-zag com -10% de inclinação por 9 km. Estava desde o inicio da prova correndo um pouco mais agachado para poupar o joelho com menos impacto, porém, sobrecarregando as coxas.

Parecia que o quadríceps ia explodir após 1 hora e pouco de descida, e não duvido de que tenham de alguma maneira! Chegamos no posto de apoio na cidade de Bourg Saint Maurice, com uma recepção que não poderia ser melhor. Passamos entre ruas pequenas e estreitas com restaurantes cheios de mesas nas calçadas. As pessoas batiam palmas e gritavam “courage”, sabendo mais do que eu o que ainda nos aguardava pela frente!

Minha expressão era confusa entre a alegria por ter chego ao final da descida tão ardorosa, e de preocupação por reconhecer que ainda haviam 40 km de mais montanhas até o fim. Mamãe!!!!

Sentado no posto de abastecimento de Bourg Saint Maurice, o peso da prova estava aparente entre muitos. Uns passavam mal, outros passavam como se fosse um passeio rotineiro de final de semana. Meus pés estavam doloridos, sensíveis e pedindo arrego.
A simples tarefa de buscar comida na mesa de sanduíche era um sacrifício e o banco de madeira nunca foi algo tão macio. A próxima perna seria 11 km com 7% de inclinação positiva. Algo que, no plano, normalmente levaria uns 40 minutos para percorrer, porém, infelizmente, estávamos projetando umas 3 horas. Nada adiantava pensar em quanto tempo faltaria, somente adiantava aceitar de que ia demorar. Demorar... e muito.

Partimos de Bourg Saint Maurice abastecidos com sopa quente e queijo francês. Ao sair do posto, encontramos o João que formaria um trio que chegaria ao fim de qualquer prova. Anoitece, e o vento que refrescava do calor do dia agia agora de forma inversa. Três horas subindo para chegar ao topo e descer tudo de novo. Subir sem fim começou a ser algo normal, algo como mergulhar sem precisar subir para fôlego. Descemos na escuridão, com o barulho de corredeiras à espreita e buracos escondidos pela sombra do head-lamp.

A prova é um teste de perseverança, de determinação e força de vontade. Não é uma prova que se pode planejar perfeitamente, ou estar prevenido para tudo que encontrará no caminho. As condições mudam, o terreno é irregular, o tempo é extenso, as dores mudam de lugar e é preciso improvisar e planejar de acordo com o presente.

Descendo os 9 km, com -5% do Col Du Petit Saint Bernard, chegamos a pequena cidade italiana de La Thuille. Os últimos 15 km do percurso seriam uma subida de 4km com +4%, 7,4km com -6% e 4,8km com +2%. Subir era o luxo, não tinha impacto e não usava os quadríceps que haviam ficado em Bourg Saint Maurice.

A ultima descida de 7,4km da prova era o grand-finale que os organizadores tinham colocado no menu. Ungindo a cada passo doloroso para baixo, sabia que estava no final da prova, porém, não importava o quanto descia, as luzes da cidade na base continuavam na mesma distância.

Era como se estivesse numa esteira que não saia do lugar. Após XXXX horas eternas, correndo em círculos dentro da minha própria mente, chegamos à base em Pré Saint Didier com o posto de apoio celebrando com musica alta, cerveja e clima de festa. Um sorriso irônico demonstrava que embora a recepção estava boa, a imagem de cruzar a linha de chegada predominava. Acho que até o Robocop passaria de bailarino se comparado com o movimento limitado que me encontrava no final da prova!
22 horas após a largada, chegamos na cidade da chegada.
“Só faltava ter uma escadaria para descer até a reta final...” E por que eu fui falar...!
Como disse, não tem como planejar para uma prova dessas!
Ainda teria 5 andares de escada para subir até o quarto em Chamonix... tá vendo!


3 comentários:

George Volpão disse...

Estarei na torcida!

Grande abraço!

Joel dos Santos Leitão disse...

Boa sorte!! Espero que esteja inteiro para a prova. Abraços, @JoelMaratonista

simplifique disse...

Que relato !!!
Estou na torcida.
Abs.

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