sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

BR 217 - 2010 by Maria Ritah



A BR 217, ultramaratona de revezamento em dupla da BR 135 (217Km), foi uma grata surpresa pra mim e para meu namorado Alberto Peixoto, nos inscrevemos pela equipe Manauara. Apesar de ter conhecido em parte a competição nas montanhas da Serra da Mantiqueira, fiquei realmente feliz de ver todo o percurso dividindo a corrida com alguém que amo.

Ainda cheios de perspectivas, saímos de Campinas-SP num Fiat Dublo em direção a São João da Boa Vista-MG. Eu, Alberto, Betinho e Alexandre, nossos dois apoios, filhos dele.Chegamos em cima da hora para o congresso técnico. Mapas nas mãos e sem nenhuma estratégia definitiva na cabeça. Avançamos.

No dia da largada, todos os atletas foram para a praça central da cidade. A organização do evento começou a fazer a chamada local dos atletas.. Entre os amigos ultramaratonistas, conhecemos um escritor, poeta, maratonista chamado Roberto Buzzo. Com uma mochila simples, um jeito tranqüilo e sem muito alarde, este ultra despertou nossa atenção.

Conversando com ele, soubemos que faria a corrida sem apoio ou qualquer tipo de suporte. Tivemos a impressão que este homem estava buscando algo mais do que correr a BR135, buscava a excelência de um encontro consigo mesmo. Tanto que Alberto ofereceu apoio caso ele precisasse de alguma alimento ou hidratação. Buzzo respondeu de pronto: - Não se preocupe, não vou precisar de nada. Nesta corrida, eu só quero depender de mim mesmo.

O que poderia soar como prepotência, nos revelou uma humildade de quem não estava ali para competir, mas alguém que tinha um objetivo maior, como por exemplo, educar o corpo e o espírito a superar suas dores de quem vai correr sozinho 217km. Essa foi uma das primeiras lições que tivemos na BR 135.

Da dupla, por livre e espontânea pressão minha, fui a primeira a correr. A ultra começou com cinco quilômetros de asfalto. Nada bom para quem está calçada com tênis de trilha. Não via a hora de chegar na parte de terra, barro ou lama. E eis que meu desejo foi atendido. Por um longo tempo de quatro horas corrida enfrentei muita terra batida, lama e pedregulhos.

Eu estava muito feliz de estar ali. Há um ano venho pensando nesta ultramaratona. E há cinco meses encontrei alguém com quem dividir esta distancia.Levei minha maquina fotográfica na mochila e tirei fotos dos meus amigos, de mim, das trilhas, do gado, dos peregrinos, das casas de barro pequeninas, das igrejas por onde a gente passava. Nos lugares altos era possível ver o horizonte. E de cima, tudo parecia tão pequeno. Sensação boa é a da liberdade. Em toda parte que corri e acredito que Alberto também, respiramos cada momento como se fosse único, intransferível e eterno. Não estávamos ali para competir. Alias essa sempre foi à idéia da dupla Manauara. Se divertir e muito.

De São João da Boa Vista até Aguas da Prata, corri sem apoio. Passávamos em lugares aonde o carro não alcançava e houve momentos em que tínhamos que subir as montanhas com uma corda para não deslizar no abismo. Emoção pura.

No Pico do Gavião, terminou a primeira etapa. Alberto começou a correr a parte mais difícil pra mim por causa da altitude. Uma subida de 1.300m de altitude não é pra qualquer um. E ele foi ainda um pouco frio. Imagino também o quanto foi difícil começar assim, escalando montanha cinco quilômetros de subida e cinco de descida.

Enquanto ele corria, eu aproveitei para tomar banho na queda d’água que caia do Pico do Gavião. Descansei as pernas na água gelada da corredeira. Depois, com Betinho dirigindo o carro e Alexandre no apoio, seguimos pela estrada acompanhando passo a passo as pisadas do Alberto.

Chegamos em Serra dos Limas (Support Point 1) por volta das 18hs. Eu teria que assumir a corrida, mas passaria parte da noite correndo e sem pacer, Alberto decidiu que faríamos o percurso noturno juntos. Eu não gostei da idéia porque queria poupá-lo. Mas não adiantou. Corremos e andamos durante toda a noite até Crisólia. E, cansada, decidi dormir por duas horas e ele seguiu correndo debaixo de muita chuva, até Ouro Fino e depois Inconfidentes (Support Point 2). Chuva, frio e lama. Eu particularmente não consegui dormir, apenas cochilei. Essa parte da corrida me deixou de mal humor. Sou de Manaus, portanto, qualquer vento gelado e molhado, me deixa sempre desconfortável.

Depois, mesmo com chuva, corri em direção a trilha de Toco do Moji. Alberto, Betinho, Alexandre me seguiram. A’ noite estava um breu e com muita lama. Mal podia enxergar aonde pisava sem escorregar um pouco. O nosso maior erro nesta corrida foi entrar com o carro nesta trilha. Faltando cinco quilômetros para chegar a Borda’ da’Mata, o Fiat Doblô não conseguia subir, deslizava o tempo todo. E não deu outra: atolamos.

Sem ajuda, sem guincho, foi um sufoco. Os atletas começaram passar e os carros de apoio foram avisados de que a trilha não estava boa. Nosso carro e o do Aureo ficaram atolados por quase três horas, esperando o dia amanhecer. Eu tive que seguir depois para não perder o caminho e aguardar. Alberto correu Borda da Mata. Depois voltei a correr até Estiva e na seqüência ele retornou seguindo para Consolação.

Ultimo trajeto do percurso e o que mais exigiu de nós atletas por ser realmente o mais difícil de ser feito. Não foi fácil pra gente. Ficávamos lembrando aqueles que estavam fazendo solo. Na escuridão. Na chuva forte, Na lama e no perigo de correr, escorregar e se machucar. Neste trajeto, ainda nos perdemos ao desviar uns dois quilômetros do caminho. Por sorte, fomos avisados por um dos moradores da área. Retornamos e recomeçamos a corrida. Alias, apenas andamos.

Foram vinte quilômetros de subida íngreme. Mas para ser sincera, foi o percurso mais bacana que corremos. Com dores nas costas e pedras nos sapatos, estávamos no limite. Os dois sofreram, mas ele que eu, porque fez os dois percursos contínuos para me acompanhar uma vez que não era possível chegar com a tarde em claro a Paraisópolis.

Ora, impacientes com tantas ladeiras, ora cansados com mochila e ora cantando desafinados para espantar o tédio de não ver o fim da subida, chegamos a Paraisópolis com 37h18m de corrida. Fomos recebidos por Betinho e Alexandre, dois também grandes guerreiros que nos apoiaram em tudo, inclusive em não dormir, mesmo estando cansados de tanto dirigir e prestar apoio.

Ano que vem tem mais. 2011 a equipe Manauara vai voltar em solos. Faremos junto o percurso, mais antes, decidimos virar primeiro peregrinos e fazer o Caminho da Fé, com apenas uma mochila e pouco dinheiro. Bem ao exemplo do nosso amigo poeta e ultramaratonista Roberto Buzzo. Mal sabe ele que sem querer foi a nossa fonte de inspiração.

Fotos aqui.


5 comentários:

Bons Km disse...

Que legal...
a cia de quem agente ama é sempre fundamental...
Bjinhos
Bons Km
Ju

"Bora Corrê" disse...

Grande dupla! Infelizmente não pude ver a chegada, pois fui socorrer um atleta, mas sei que correu tudo bem e a foto da chegada foi feita pelo pacer do Ari.
Nos vemos em breve e espero estar bom do joelho para acompanhá-los.
Bjs. Seabra

Roberto Buzzo disse...

Olá, Maria Ritah / Alberto !
Quanto a essa história de "não competitivo", não sou toda essa santidade que vs. pensam não. Tive imenso prazer em ultrapassar 3 próximo à chegada. E acho que ali no C.da Fé carro só atrapalha daí porque planejo a corrida para não depender deles, exceto para levar minha mala até Paraisópolis (rsrs) - que, aliás, recebi perfeita, às 7h30 da manhã. Obrigado pela ajuda.Ab/Roberto Buzzo.

Roberto Buzzo disse...

M.Ritah / Alberto,
sobre "ultrapassar", v. minha crônica "Chegadas e Endorfinas", no meu blog www.diarioandarilho.zip.net. abraço. Roberto Buzzo.

Ivo Cantor corre e conta disse...

Parabéns ao casal pelo desafio enfrentado e vencido. Abc, Ivo.

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