sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Por que tantos passam fome?

Muitos pensam que o problema da fome se deve ao excesso da população, de que não há alimentos para todos e se faz necessário o controle da natalidade. Essa tese não se justifica. A FAO, organismo da ONU dedicada à alimentação, há vinte anos afirma que o problema é político. A fome é um problema, sobretudo, de acesso à comida e não de disponibilidade de alimentos, ou seja, a crise alimentar não é uma crise fundamentalmente de produção, mas de distribuição. O problema está no mercado.

“Hoje produzimos alimentos demais. Muito mais do que seria necessário para alimentar a população atual, sendo que ainda nem estamos perto de esgotar o potencial da alimentação direta. E, para pequenos produtores rurais, dobrar a produção custa pouco”, argumenta Benedikt Haerlin, da fundação Zukunftsstiftung Landwirtschaft, que apoia projetos ecológicos e sociais no setor agrícola. “A ideia de que somos cada vez mais numerosos e por isso precisamos produzir mais é equivocada. Precisamos é produzir melhor. Menos da metade dos grãos hoje em dia é destinada à alimentação, enquanto a maior parte serve para fabricar rações animais, biocombustíveis e outros produtos industriais”, explica Benedikt Haerlin.

O problema é de acesso à comida, diz David Dawe, Ph.D. em Economia pela Universidade de Harvard. Segundo ele, “a fome crescente é um problema de acesso à comida, e não de disponibilidade de alimentos”. “Se temos 1 bilhão de pessoas que passam fome por não ter dinheiro para comprar comida e outro bilhão de clinicamente obesos, alguma coisa está obviamente errada”, alerta Janice Jiggings, do Instituto Internacional para Meio Ambiente e Desenvolvimento em Londres.

A razão para o aumento da fome está ainda associada, entre outros fatores, a crise econômica (leia-se especulação das grandes corporações com os alimentos que chamam de commodities), às mudanças climáticas que provocam em alguns momentos inundações e, em outros, secas terríveis, e ao aumento das controvertidas plantações para produzir combustível, que rouba áreas da agricultura de subsistência.

A crise alimentar encerra ainda outro paradoxo: ela se dá num contexto de extrema falta e abundante desperdício. Já hoje existe mais comida que o necessário garante o diretor-executivo do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), Achim Steiner, e sem cultivar um quilômetro quadrado que seja a mais, seria possível alimentar toda a população do planeta. Segundo ele, “ao mesmo tempo em que temos uma crise de alimentos, jogamos fora 30% a 40% dos alimentos produzidos. Ao invés de nos perguntarmos onde podemos encontrar mais terra para cultivar ou se será preciso plantar na Lua, deveríamos olhar para o nosso quintal. Temos que encontrar estímulos financeiros para evitar que se jogue comida fora”.

A crise alimentar está também associado ao escandaloso subsidio concedido aos fazendeiros dos países ricos. Existe muito dinheiro para subsidiar a agricultura dos que já tem muito e pouco, ou quase nada, para os países pobres que mais precisam.

Vandana Shiva, a ativista e intelectual indiana, defende a tese de que “são os métodos de desenvolvimento equivocados que causam a fome de centenas de milhões de pessoas”. Segundo ela, “hoje, nos dizem que um bilhão de pessoas passam fome. Eu acho que se deveria perguntar o porquê. O porquê é explicado há muitos anos pelos especialistas, economistas e climatologistas como eu, que a FAO não ouviu. Há estudos qualificados que defendem que as monoculturas tornam a agricultura mais vulnerável, e que o uso de fertilizantes químicos contribui para as mudanças climáticas”.

Nas últimas décadas, o livre comércio e as políticas neoliberais favoreceram e incrementaram o agronegócio, em detrimento da agricultura familiar, da reforma agrária, da produção ecológica.

A ativista dá o exemplo do seu país, a Índia: “A globalização não significou o livre comércio de comida de alguns países para outros. Pelo contrário, ela esmaga os países que podem produzi-la. Em troca, um bilhão de pessoas passa fome. Em um mundo que produz mais comida do que nunca, o consumo per capita, na Índia, caiu de 270 quilos por ano para 150 quilos, menos do que na grande crise alimentar de Bengala [1945]. Hoje, 70% das crianças estão desnutridos, e as mulheres estão anêmicas porque plantam sementes sem ferro”.

Vandana Shiva alerta para o mito da Revolução Verde, o que inclui os transgênicos: “Hoje, falar de Revolução Verde como solução é absurdo. A Revolução Verde só produziu mais arroz e trigo porque houve mais irrigação. O ruim é que são usados pesticidas para sementes transgênicas que não são afetadas por esses produtos. E as famílias se endividam ao comprar esses produtos. Hipotecam até as terras. Hoje, os que passam fome são os produtores de comida, porque não podem comer o que semearam. A indústria química, a revolução verde e os transgênicos baseiam-se na morte. Vendem-na como milagrosa, mas quando se substitui ciência por mitologia, nunca se sabe se os colegas cientistas irão mentir. E a Revolução Verde é um mito”.

A “revolução verde”, 40 anos depois, mostra seus limites econômicos, ambientais e sociais. O modelo agrícola dominante no mundo, o agronegócio, é destruidor da natureza, assentado no monocultivo, concentrador de recursos, protagonizado pelo grande capital, gera um reduzido número de postos de trabalho e atende fundamentalmente interesses transnacionais, ao mesmo tempo em que persegue objetivos mercadológicos. Os fertilizantes químicos e os defensivos agrícolas, causam estragos ambientais muitos deles irreversíveis. Insistir nesse modelo como resposta ao problema da fome é uma mentira.

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