segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Ele não consegue parar de correr

Dean Karnazes, um mito que superou todos os padrões humanos nas corridas de longa distância, ainda não encontrou seu limite
By Francine Lima Revista Época


ENTREVISTA
Dean Karnazes

“Relaxar me deixa estressado”
Corredor incansável, o ultramaratonista americano revela por que insiste em fazer o que o bom senso manda evitar
ÉPOCA – Em que situação você já percebeu que não poderia ir tão longe quanto gostaria?
Dean Karnazes – Foi no Vale da Morte, um deserto nos Estados Unidos. Eu pretendia correr 220 quilômetros a 55 graus célsius. Lá pelo 140o quilômetro, caí exausto. Mesmo tomando líquido constantemente é difícil evitar a desidratação. Eu tentei continuar, mas fiquei muito mal. Desmaiei e fui parar num hospital. Achei glorioso. Porque pensei: eu fracassei. E fracassar é bom porque, a menos que você fracasse, você não sabe até onde é capaz de ir.
ÉPOCA – Sua resistência é milagrosa?
Karnazes – Não. As pessoas olham para mim e atletas como o Lance Armstrong e pensam que a gente é uma espécie de super-herói ou tem algum tipo de dom: “O Lance tem o maior coração do mundo, o Dean tem um corpo perfeito para a corrida”. Digo a elas que tenho o que todo mundo tem e que qualquer um poderia fazer o que eu faço se gostasse de correr tanto quanto eu gosto.
ÉPOCA – Quem manda evitar os riscos que você enfrenta está errado?
Karnazes – Como eu posso correr 250 quilômetros sem parar, no final sentir que não posso mais mover um músculo e, cinco minutos depois, retomar a corrida com mais 50 quilômetros? Seria porque existe algo em nossa mente com um potencial enorme que nós não entendemos? Daqui a uma ou duas décadas saberemos infinitamente mais sobre o corpo humano que hoje.
ÉPOCA – Você não tem medo de morrer no meio do caminho?
Karnazes – Não. Eu preferiria morrer forçando meu corpo a morrer num acidente de carro ou de câncer. Se você vive sua vida ao máximo de sua habilidade, não há por que temer a morte.
ÉPOCA – Quando você começou a se sentir atraído pelo perigo?
Karnazes – Lá pelos 6 anos. Eu corria cerca de 2 quilômetros da escola para casa, sozinho, em vez de pegar o ônibus ou esperar meus pais. Eles ficaram preocupados de início, mas acho que sempre me viram como um espírito livre que eles não necessariamente poderiam controlar.
ÉPOCA – Você tira férias?
Karnazes – Depende de como você define férias. Vou com a família para o Havaí, mas vou competir lá. Viajar só para relaxar, não. Relaxar me deixa estressado.
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Os médicos dizem que, para ser saudável, é preciso seguir uma dieta equilibrada e fazer exercícios regularmente, sem exageros para não se machucar. Atletas de ponta não são os melhores exemplos de saúde, já que costumeiramente extrapolam seus limites e estouram um joelho aqui, quebram uma clavícula ali. O ultramaratonista americano Dean Karnazes, um dos atletas mais impressionantes da atualidade, não liga para o que dizem os médicos. E tem uma saúde de ferro.
Entre as proezas – ou maluquices – do superatleta está uma sequência de 50 maratonas (42 quilômetros cada uma) que ele correu em 50 dias consecutivos, em 50 cidades dos Estados Unidos. Maratonistas precisam de alguns dias para se recuperar de uma prova antes de voltar aos treinos. Karnazes não apenas desrespeitou o período de descanso. Ele dormiu as 50 noites em poltronas de ônibus nas viagens entre uma cidade e outra. “Não era o ideal, mas não havia outra escolha”, diz. Karnazes foi o primeiro homem a correr uma maratona no Polo Sul, a 40 graus negativos.
No dia 12 de setembro, o corredor vem ao Brasil para o Desafio Dean Karnazes 24 horas, uma corrida de um dia inteiro que ele vai fazer com atletas brasileiros e convidados por ruas e parques de quase meia cidade de São Paulo. O percurso, de 130 quilômetros, quase não é um desafio perto das provas que ele já venceu. Por exemplo, a Ultramaratona de Badwater, de 217 quilômetros, a uma temperatura de 50 graus. Ou os 563 quilômetros que ele correu durante três dias e três noites, sem descanso. O senso comum diria que Karnazes é um ser humano anormal. Ele diz que apenas faz o que mais gosta de fazer: correr até o corpo dizer “chega”.
Karnazes completou 46 anos no dia 23 de agosto. Seus joelhos, segundo ele próprio, continuam tão intactos quanto os de um adolescente. Ele tem apenas 3% de gordura corporal (atletas de elite costumam ter entre 6% e 8%), e os exames mostram um nível de colesterol abaixo de 100 (menos de 200 já é considerado ótimo). Para ele, continuar inteiro depois de tanto sacrifício só aumenta a vontade de duvidar que já tenha ido longe demais.
A rotina de Karnazes, por si só, choca. Ele dorme cerca de quatro horas por noite, s para suas atividades caberem no dia. Acorda de madrugada, entre 3h30 e 4 horas, e corre uma maratona por ruas e estradas que partem de São Francisco, na Califórnia, onde mora. Volta para casa pouco depois do nascer do sol e prepara o café da manhã para a mulher e os dois filhos, os “Karno kids”. Para ele, uma tigela bem grande de iogurte integral com granola resolve. No fim da tarde, Karnazes faz mais uma corridinha de 10 quilômetros e termina o dia planejando a pernada do dia seguinte.
Haja energia para tanta corrida. Uma pessoa normal deve comer entre 2.000 e 2.500 calorias por dia para suprir suas necessidades diárias e não engordar. O nadador olímpico Michael Phelps precisa de 12.000 calorias para sustentar sua rotina de treinos. Karnazes come apenas alimentos orgânicos e integrais no dia a dia. Mas, durante suas corridas de longuíssima duração, ataca pizzas, cheesecakes, confeitos de chocolate e qualquer outro tipo de alimento hipercalórico para abastecer a fornalha em que seu organismo se transforma. Numa prova de 46 horas, ele ingeriu 28.000 calorias. É o que uma pessoa normal consome em duas semanas de refeições balanceadas.
Karnazes se diz introvertido. Nada que o impeça de partilhar suas experiências em palestras e livros. Seu segundo livro, 50 maratonas em 50 dias (Editora Leblon), está saindo agora em português. Ele diz que prefere os momentos em que fica sozinho: quando escreve e (claro) quando corre. “Adoro escrever, pelo mesmo motivo pelo qual gosto de correr. Ambos requerem foco, comprometimento, dedicação e sacrifício.”

Ele já correu 50 maratonas em 50 dias

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